Será de importância para nós
observarmos, mais de perto, como os doze seguidores mais próximos de Jesus se
tornaram, inconscientemente, instrumentos de satanás na batalha contra Jesus.
Parece que satanás tinha pelo menos dois objetivos ao agir por meio dos amigos
de Jesus. Primeiro, ele queria convencer desesperadamente a Jesus de que seres
humanos não eram dignos de tudo o que Ele intencionava fazer por eles. Segundo,
ele odiava tanto o Salvador que, mesmo que falhasse em cumprir a sua meta,
queria aumentar ainda mais a dor e a vergonha na Sua jornada até a cruz. Precisamos
nos lembrar de que foi por meio da Sua morte – não por meio do sofrimento
físico e psicológico que a precederam – que Jesus pagou o preço do pecado. Deus
não foi e não é quem exigiu de Jesus cada medida de Sua dor, que nós merecíamos
por causa dos nossos pecados. O sofrimento e a vergonha que Jesus experimentou
no caminho até a sua morte aconteceram porque Deus permitiu que o diabo fizesse
o pior para maltratar Jesus e tentar ganhar a batalha contra o Filho de Deus.
Esse fato explica a afirmação que Jesus havia feito aos soldados que o
prenderam no Getsêmani: “ Mas esta é a
hora de vocês, quando as trevas reinam” (Lucas 22:53). Vamos seguir os
eventos nesta parte da história, na sua ordem cronológica. Jesus entrou no jardim Getsêmani uma hora e
pouco antes da meia-noite. Ele pediu que oito de seus discípulos permanecessem
ali perto, orando. Então se distanciou um pouco mais no jardim, com Pedro,
Tiago e João, e disse: “Fiquem aqui e
vigiem comigo” (Mateus 26:38). Afastando-se sozinho, prostrou-se com o
rosto em terra e orou. Voltando para onde estavam os três, encontrou-os
dormindo. Podemos sentir a dor nas suas
palavras: “Vocês não puderam vigiar nem
por hora?...Vigiem e orem para que não caiam em tentação” (v. 40-41). Ele
sabia que em breve eles seriam tentados a abandoná-lo e fugir. O fato de ter
repetido esta sequencia três vezes – orando, voltando aos seus discípulos e falando-lhes
– indica claramente que algo incomum estava acontecendo. Normalmente, ele
gastava horas em comunhão com o seu Pai. Mas agora ele ansiava pela companhia
dos discípulos. A melhor explicação parece ser que ele sentia o começo do
afastamento de seu Pai. Jesus, tendo deixado de lado a sua glória como Deus
para tornar-se como um de nós, ficou profundamente atribulado ao
conscientizar-se de que teria que seguir sozinho. Ele tinha que enfrentar tudo
o que o esperava com a mesma estrutura emocional, corporal, e a mesma
vulnerabilidade à dor que nós temos quando enfrentamos provações menores. Quem
sabe até entendemos a sonolência dos discípulos. É verdade, eles tinham passado
um dia extremamente exaustivo. Sendo quase meia-noite, eles estavam cansados.
Mas deveriam ter percebido que algo incomum e terrível estava acontecendo. O
Mestre estava em grande agonia. Espera-se que os amigos permaneçam conosco
quando sabem que são necessários. A falta de compaixão genuína por parte dos discípulos
significou mais angústia para o Salvador. O nome Judas Iscariotes é sinônimo de
traição. Ele é o discípulo que conduziu os inimigos de Jesus até onde ele
estava e o identificou com um beijo. Como Jesus o havia escolhido como um dos
doze discípulos, deve ter visto que ele tinha qualidades que eram coerentes com
os outros onze. Jesus o havia honrado, convocando-o como tesoureiro deste
pequeno grupo. Ele incluiu Judas entre os doze, quando os enviou e lhes “deu autoridade para expulsar espíritos
imundos e curar todas as doenças e enfermidades” (Mateus 10:1). Mas este
homem, que parecia ter tão grande potencial para o serviço do reino de Deus,
tornou-se voluntariamente um instrumento do inimigo. Quando Judas viu que Jesus
não estava pronto para estabelecer o tão esperado reino, aparentemente ficou
amargurado e começou a roubar da bolsa de dinheiro dos discípulos (João 12:6).
Jesus sabia o que Judas estava fazendo e também estava consciente da traição
que ele planejava, muito antes de cumprir este seu plano. Anteriormente, Jesus
o chamou de “diabo” (João 6:70). Mas
o fez de uma forma que não deixou transparecer aos outros a quem ele estava se
referindo. Ao anoitecer daquela última quinta-feira, Jesus declarou abertamente
que um dos doze estava para traí-lo. Ele disse que o traidor faria com ele o
que um amigo achegado fez a Davi, muito tempo atrás, citando Salmo 41:9 “ate o meu melhor amigo, em que eu confiava
e que partilhava do meu pão, voltou-se contra mim” (João 13:18). Mais
tarde, naquela noite, quando Jesus celebrou a
refeição da Páscoa com os discípulos, ele deu a Judas o lugar de honra à
sua esquerda, com João à sua direita. Isto explica o porquê ele podia conversar
com os dois sem ser ouvido pelos outros discípulos. Logo após o inicio da
refeição, Jesus identificou o traidor somente para João, molhando um pedaço de
pão e dando-o a Judas. Esta cortesia normalmente era vista com um gesto de
amor, reservado para alguém especial. Talvez tenha sido um pedido amoroso de
Jesus, uma meiga súplica de arrependimento. Uma onda de emoção deve ter
atingido Judas naquele momento, mas seu coração estava tão endurecido que
conseguiu resistir a todos os seus melhores instintos e cumprir o mal que
estava em seu coração. Foi somente depois que Judas deixou o lugar onde estavam
reunidos, e chegou a um ponto que não havia mais volta, que Jesus se referiu a
ele como o homem “que estava destinado à
perdição” (João 17:12). Judas não foi uma vitima inocente do decreto
pré-estabelecido por Deus. Ele foi responsável pelas suas próprias decisões.
Ele podia ter agido de forma diferente. Se tivesse respondido às admoestações
veladas de Jesus, deixando transformar o seu coração, as palavras de Davi no
Salmo 4:19 teriam se aplicado somente à própria experiência do rei. Não teriam
outra aplicação. Ao considerar o prognóstico de Jesus, de que um dos doze iria
traí-lo, temos que manter em mente que tais anúncios sobre o futuro eram muitas
vezes reversíveis. Por exemplo, conforme as ordens dadas por Deus, Jonas
proclamou ao povo de Nínive: “ Daqui a
quarenta dias Nínive será destruída” (Jonas 3:4). Segundo o relato, isso
foi tudo o que Jonas falou. Ele não fez nenhum chamado ao arrependimento e não
prometeu misericórdia se eles se arrependessem. Todavia, “Tendo em vista o que eles fizeram e como abandonaram os seus maus
caminhos, Deus se arrependeu e não os destruiu como tinha anunciado”
(v.10). A experiência de Ezequías nos dá um exemplo semelhante. Isaías lhe
disse: “ Assim diz o Senhor: Ponha em
ordem a sua casa, pois você vai morrer, não se recuperará” (2 Reis 20:1).
Ele não deu indicação de que esta declaração era condicional. Mas quando o rei
orou e chorou, o Senhor fez Ezequías voltar, antes de deixar o palácio, e
contar as boas novas ao rei, de que Deus ouvira a sua oração e lhe
acrescentaria quinze anos de vida (v. 5-6).
Tais anúncios, dados por Deus na Bíblia, são admoestações do que irá
acontecer se os indivíduos ou as nações às quais se dirigiu continuarem no seu
proceder. Deus vê o coração e sabe o que está ali dentro quando dá a
advertência. Se Ele vê que ocorre uma transformação do coração, cancela a
admoestação. Deus sabia o que estava no coração de Judas e sabia o que ele iria
fazer. Mas esse conhecimento não colocou nenhuma obrigação sobre Judas. Se ele
tivesse mudado a sua decisão, confessando o seu pecado e buscado o perdão, Deus
saberia disso também. Ele não considera ninguém um fantoche indefeso no tablado
do destino. “Ao contrário, ele é
longanimo... não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao
arrependimento” (2 Pedro 3:9). Como já vimos, essa interação da vontade
divina e da vontade humana também foi uma verdade no Antigo Testamento. O
Senhor disse, por meio do seu profeta Jeremias: “Se em algum momento Eu decretar que uma nação ou um reino seja
arrancado, despedaçado e arruinado, e se essa nação que Eu adverti converter-se
da sua perversidade, então Eu me arrependerei e não trarei sobre ela a desgraça
que eu tinha planejado” (Jeremias 18:7-8). O fato de que Judas se tornou um
homem” destinado à perdição” não foi
um ato de Deus. Esse destino foi uma decisão do próprio Judas. Também não
podemos deixar de ver o papel decisivo de satanás neste cenário. Anteriormente,
observamos que, quando Jesus molhou o pão e o deu a Judas, isso foi um ato de
honra. O apóstolo João disse que foi neste exato momento que satanás entrou nele (João 13:27). O
diabo foi capaz de fazer isso porque Judas já havia aberto a porta para ele, ao
conspirar na traição de Jesus. Sem dúvida, ele fortaleceu a resolução de Judas.
Quem sabe satanás esperava que esse ato terrível, cometido por um dos próprios
discípulos de Jesus, iria quebrantar tanto o seu espirito que ele talvez
decidisse que as pessoas não eram dignas do preço que ele teria que pagar pela
sua redenção. Essa era a hora de satanás, se ele não conseguisse dissuadir
Cristo de ir para a cruz, pelo menos iria aumentar a dor e a vergonha do
Salvador. O que ainda contribuiu para um maior sofrimento de Jesus foi que
todos os seus amigos o abandonaram. Conforme o evangelho de Mateus, quando
Jesus foi preso no Getsêmani, “ então
todos os discípulos o abandonaram e fugiram” (26:56). Jesus os havia
alertado quando ainda estavam a caminho do Getsêmani: “ ainda esta noite todos vocês me abandonarão” (V. 31). Em vez de
responder àquela admoestação com humildade, Pedro foi grosseiro e
autossuficiente. Ele declarou ousadamente que estaria disposto a permanecer com
Jesus e até morrer com ele. “ e todos os
outros discípulos disseram o mesmo” (v.35). Mas, “ então todos os discípulos o abandonaram e fugiram” (v.56). Pense no que Jesus sentiu quando o
abandonaram, no momento em que seu coração humano ansiou tanto pelo apoio e
encorajamento deles! Há poucos instantes
atrás, enquanto orava, ele sentiu que seu Pai
estava se afastando dele. Deus
Pai tinha que fazer isso, a fim de que Jesus se tornasse “pecado por nós” (2 Corintios 5:21). Agora que os discípulos tinham
ido embora, Jesus não tinha sequer a companhia de um ser humano. Sentir a
presença de outra pessoa, quando se está enfrentando a morte, é uma das
necessidades essenciais do ser humano. Mas Jesus viu que, nas terríveis horas a
sua frente, até seu ultimo suspiro, ele estaria sozinho, sem o Pai e sem os
seus discípulos ao seu lado. Esta foi a maneira de satanás acrescentar mais um
peso ao fardo de dor e tristeza de nosso Salvador.
Pedro, que havia confessado tão
nobremente em Cesaréia de Filipe que Jesus era “o Cristo, o Filho do Deus Vivo”
(Mateus 16:16), ainda aumentou mais o peso do sofrimento de Jesus. Pouco antes,
quando Pedro declarou de forma tão veemente a sua coragem, Jesus o alertou “asseguro-lhe que ainda esta noite, antes
que o galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás” (Marcos 14:30). Em
lugar de sua valentia, como todos os outros discípulos, ele fugiu quando Jesus
foi preso. Todavia Pedro não conseguiu abandonar completamente a Jesus.
Mantendo uma distancia segura, para que
não fosse identificado, como discípulo de Jesus, ele seguiu o grupo que prendeu
Jesus “até o pátio do sumo sacerdote” (V.54)
Ali, tentou novamente esconder a sua identidade. Mas parece que se deteve no
lugar errado, entre inimigos de Jesus. Ele foi confrontado três vezes, numa
rápida sucessão, acusado de ser um dos seguidores de Jesus. Ele negou todas as
vezes que tivesse qualquer relacionamento com Jesus. Na terceira vez, “ ele começou a se amaldiçoar e a jurar; ‘
Não conheço o homem de quem vocês estão falando’” (v.71). Lucas completou a
historia: “ Falava ele ainda, quando o
galo cantou. O Senhor voltou-se e olhou diretamente para Pedro. Então Pedro
lembrou-se da palavra que o Senhor lhe tinha dito...saindo dalí, chorou
amargamente” (Lucas 22:60-62). O que será que Pedro viu nos olhos de Jesus?
Tenho certeza que não viu uma ira gelada e um desdém frio. Quem sabe, ele viu
um olhar de decepção. Mas, acima de tudo, creio que ele viu um abismo de dor e
oceanos de amor nos olhos de Jesus. Isso
quebrou o coração de Pedro e o levou a chorar amargamente. Lucas disse que,
quando Jesus advertiu antecipadamente o seu amigo tão auto-confiante sobre as
três vezes que ele iria nega-lo, ele começou dizendo: “Simão, Simão, satanás pediu
vocês, para peneira-los como trigo. Mas eu orei por você, para que a sua fé não
desfaleça” (Lucas 22:31-32). O teste que satanás tinha em mente seria
intenso, como o mover vigoroso do trigo numa peneira, para separar os grãos da
palha. E como aquela era a hora “quando
as trevas reinam” (v.53) o diabo teria livre ação. A coragem de Pedro
falhou e ele fez o que nunca sonhou que fosse fazer. Mas a oração de Jesus foi
respondida: a fé de Pedro não falhou. Ele nunca
deixou de crer que Jesus era o Messias, o Filho de Deus. Ele se
arrependeu e, mais tarde, foi publicamente restaurado (João 21:15-19). Pedro
seguiu e se tornou um pregador intrépido e poderoso no dia de Pentecostes, o
dia em que nasceu a igreja (Atos 2:1-41). Ele se tornou líder reconhecido do
ministério apostólico dos judeus. Escreveu duas cartas que foram incorporadas
nas Escrituras do NT. Ele suportou perseguições intensas por causa da sua fé e
morreu como mártir. O diabo teve sucesso em fazer de Pedro um instrumento para
intensificar a tristeza e a dor de Cristo no caminho para o calvário, mas não
foi capaz de destruí-lo.